domingo, 5 de junho de 2011

Síndrome incurável afeta jornalistas e se espalha pelas redações



Faz muito tempo que eu aviso meus amigos e amigas jornalistas sobre os riscos de contrair a perigosa e incurável Síndrome do Ar Condicionado.
Quando isso acontece, o jornalista desenvolve uma série de patologias. A primeira delas é a percepção de que pode resolver tudo por telefone e e-mail e que não precisa sair da redação.
Veja um exemplo, publicado hoje no G1:
... Duas vítimas de sequestro-relâmpago que estavam sendo mantidas reféns dentro do porta-malas de um carro foram libertadas pela Polícia Militar de São Paulo após perseguição aos criminosos durante a madrugada deste domingo (5) na Zona Leste
... Um dos sequestradores foi morto...
...  Por telefone, o G1 conversou com uma das duas vítimas e com os policiais militares que participaram da ação. “Ouvimos os sequestradores dizerem que iriam nos matar"...... etc etc etc
Ir a campo, sair pra rua, investigar, perguntar, checar, rechecar. Isso tudo acaba quando a Síndrome do Ar Condicionado se instala na corrente sanguínea do jornalista.
Era uma doença rara, mas tornou-se comum depois que os jornalistas passaram a habitar os lugares mais confinados e insalubres do prédio. Os espaços mais arejados tiveram que ser desocupados para a entrada dos publicitários, que seguem o caminho do dinheiro e são muito mais pragmáticos que os jornalistas.
Antes, nas redações, os jornalistas ocupavam lugares mais arejados e tinham infraestrutura para sair pra rua. Mas isso acabou. Hoje, ficam sem tomar sol, respiram ares já respirados e, mais cedo ou mais tarde, contraem a Síndrome do Ar Condicionado
Outro sintoma da doença é achar que as coisas são assim mesmo e que assim devem ser. E se acomodam em frente de uma suposta janela para o mundo: um computador conectado à rede. É nesse momento que a doença se torna praticamente incurável.
Veja a lista de sintomas pela ordem que geralmente aparecem:
1. Achar que sempre dá pra resolver uma matéria por telefone;
2. Acreditar no que escuta, por telefone, de policiais;
3. Achar que é normal passar o dia pegando declarações e escrevendo matérias com a ajuda do Google;
4. Achar que o Google tem respostas para todas as perguntas;
5. Acreditar nas fórmulas e macetinhos que aprendeu numa caríssima palestra da Abraji;
6. Se autoproclamar jornalista investigativo;
7. Morte.
Se você apresentar um ou dois sintomas acima, procure imediatamente respirar ar fresco e tomar um pouco de chuva. É o melhor remédio para tratar a doença.
Só não tome chuva se você apresentar o sétimo sintoma, pois poderá pegar um resfriado.
E não esqueça: todo jornalismo é investigativo. Se não é investigativo não é jornalismo 

Um comentário:

  1. Pôxa Marques, ler seu texto me deu esperança. Será que vamos ver o renascimento do jornalismo ainda em vida?
    Confesso minha frustração e meu sentimento de impotência cada vez que leio um jornal ou vejo um telejornal. Como o sentimento é muito desconfortável, faço isso cada vez menos, em especial ligar a televisão. Como pode uma profissão tão nobre "acabar" nisso? Nessa morte simbólica degradante. Jornalistas, professores e médicos, os sérios e realmente profissionais, para mim são os que deveriam receber os salários dos jogadores de futebol brasileiros...
    Valeu pelo texto!
    Andrea Luswarghi

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