Nos anos 90, fiquei um dia esperando para entrar na aldeia
onde mora Davi Yanomami. Celebrava-se ali um ritual e eu tinha que aguardar.
Quando um Yanomami morre, ele é cremado.
As cinzas, os índios bebem com mingau de banana. Fazem isso
para absorver o que o outro aprendeu enquanto vivo.
Bebem as cinzas e seguem suas vidas, mais sábios.
Participei dessa parte, em que bebem o mingau com as cinzas.
Ficamos numa enorme roda e uma panela grande foi passando. Cada um dá um gole e vai passando.
Fiquei mais sábio depois de beber aquele mingau. Aprendi a
respeitar as diferenças e a diversidade.
Na Cultura do outro aprendi a ser eu mesmo.
Quando já ia saindo, duas crianças estavam sentadas no
tronco de uma árvore.
Olhei para elas e vi as duas pessoas mais felizes que
conheci e que provavelmente conhecerei até o fim dos meus tempos.
Lembro bem delas, das duas crianças. Lembro dos olhos de
gato, da boca, dos dentes escancarados de alegria.
Os yanomami não gostam de ser fotografados. A câmera rouba a
alma deles.
Não fotografei as crianças, elas é que me presentearam com
um suspiro de suas almas.
Lembrei delas, das crianças felizes, quando saiu a notícia de que aprovaram
o canteiro de obras de Belo Monte.
Só o canteiro de obras....
Só o canteiro de obras??
Confesso que ainda me surpreendo quando vejo um crime contra a humanidade.
Sei lá, se alguma fábula mágica colocasse essas pessoas, as
que aprovaram Belo Monte, no meu lugar, aquele dia na aldeia.
Se elas pudessem ter bebido as cinzas do velho índio. Se
pudessem ter ficado mais sábias e pudessem ter olhado os olhos das crianças.
Não teriam feito o que fizeram.
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